quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

ERWIN PANOFSKY E A ICONOGRAFIA

Sobre Erwin Panofsky e a Iconografia.


Em ensaio de 1930, em que critica Wolflin, Panofsky diz que “mesmo na descrição mais elementar de uma pintura unem-se dados de conteúdo e dados formais”.
Ao indicar a impossibilidade de uma leitura puramente formal, Panofsky aflora o problema da ambigüidade da imagem. Questão que mais tarde voltará a ser abordada por Gombrich.
Utilizando-se da imagem da Ressurreição do Cristo de Mathias Grünewald, Panofsky propõe três camadas a serem abordadas pelo pesquisador.
No seu livro Significado nas Artes Visuais, Panofsky define distingue iconografia de iconologia.
Iconografia tem seu sufixo vindo do verbo grego graphein, “escrever”. Assim sendo, implica um método de proceder puramente descritivo, ou até mesmo estatístico. A iconografia é, portanto, a descrição e classificação das imagens. É um estudo que nos informa, por exemplo, quando e onde temas específicos foram visualizados por quais motivos específicos. Diz-no quando e onde o Cristo crucificado usava uma tanga ou uma veste comprida; quando e onde ele foi pregado à cruz, e com quantos cravos; como vício e virtude foram representados nos diferentes séculos e ambientes. Ao fazer este trabalho, a iconografia torna-se um instrumento fundamental para o estabelecimento de datas, origens e, às vezes, autenticidade, além de fornecer as bases necessárias para interpretações posteriores.
Tais interpretações posteriores, para Panofsky, fica a cargo da iconologia. Se o sufixo “grafia” denota algo descritivo, o sufixo “logia” – derivado de logos, quer dizer “pensamento” – denota algo interpretativo. Assim, iconologia é, portanto, um método de interpretação, advindo da síntese mais do que da análise.
A análise iconológica, segundo Panofsky, é constituída de três etapas, a saber:
1 – Primeiro momento, denominado pré-iconográfico ou fenomenológico, que tem como função a identificação e enumeração das formas puras reconhecidas como portadoras de significados, ou seja, o mundo dos motivos artísticos. Segundo Wölfflin, análise formal é uma análise de motivos e combinações de motivos (composições).
2 – Segundo momento, chamado de iconográfico, diz respeito ao estatuto, ou seja, ao domínio daquilo que identificamos como imagens, histórias e alegorias. Ex: uma figura com uma faca representa São Bartolomeu, um grupo de figuras sentadas a uma mesa de jantar numa certa disposição e pose representa a Última Ceia.
3 – Terceiro momento, identificado como camada da essência, ou significado intrínseco ou conteúdo, é dado pela determinação dos princípios subjacentes que revelam a atitude básica de uma nação, de um período, classe social, crença religiosa ou filosófica – qualificados por uma personalidade e condensados numa obra. O pesquisador, para tanto, deverá investigar outros documentos que testemunhem as tendências políticas, poéticas, religiosas, filosóficas e sociais da personalidade, período ou país sob investigação.
Ao conceber assim as formas puras, os motivos, imagens, histórias e alegorias como manifestações de princípios básicos e gerais, Panofsky propõe a interpretação de todos esses elementos como sendo o que Ernst Cassirer chamou de valores simbólicos. A descoberta e interpretação desses valores simbólicos é objeto da iconologia.
Porém, em qualquer camada que nos movamos, nossas identificações e interpretações dependerão de nosso equipamento subjetivo e por essa mesma razão terão de ser suplementados e corrigidos por uma compreensão dos processos históricos cuja soma total pode denominar-se tradição.
Quando descrevemos um grupo de treze homens sentados numa certa disposição e pose num ambiente específico, estamos localizando o que Panofsky chama de localização dos motivos e composições (aspectos formais), ou momento pré-iconográfico.
Quando afirmamos que tal descrição representa a última ceia, via conhecimento do texto do apóstolo João 13:21, estamos abordando tal imagem do ponto de vista iconográfico. Nos dois primeiros momentos, trabalhamos somente com as questões intrínsecas da obra. Quando compreendemos tal pintura como um documento da personalidade de Leonardo, ou da civilização da Alta Renascença italiana, ou de uma atitude religiosa particular, tratamos a obra de arte como um sintoma de algo mais que se Expressa numa variedade de outros sintomas.

Quadro representando mulher com uma espada na mão esquerda e uma travessa na mão direita com uma cabeça foi publicada como sendo o retrato de Salomé com a cabeça de São João Batista.
Tal afirmação baseia-se num dado iconográfico: Bíblia – Matheus 14, 1-12.
Também na Bíblia aparece outra mulher com tais características: Judite degolando Holofernes com as próprias mãos e depositando sua cabeça em um saco (Judit 16, 9-11).
A questão é: não há referência de espadas nos relatos acerca de Salomé, nem bandejas nos relados sobre Judite.
Temos dois textos literários aplicáveis à mesma obra. Para Panofsky, estaríamos perdidos se dependêssemos somente de fontes literárias.
Passa-se a investigar a maneira pela qual, sob condições históricas, objetos e fatos eram expressos pelas formas, ou seja, a história dos estilos. Da mesma maneira, investiga-se a maneira pelo qual, sob diferentes condições históricas, temas específicos eram expressos por objetos e fatos, ou seja, a história dos tipos.
Várias pinturas do século XVI representam Judite com uma travessa. Havia um “tipo” de “Judite com a travessa”. Porém não havia um “tipo” de “Salomé com a espada”. Daí pode-se concluir que também a obra de Maffei representa Judite e não, como se chegou a pensar, Salomé.

Iconografia
Do grego, eikôn, imagem, retrato, e graphô, escrita. Adotado como cultismo para aludir à arte da pintura ou desenho de retratos, nas Notas Tironianas (485). Em seiscentos era aplicado em Itália às colações de retratos de personalidades célebres. Atualmente abrange um leque mais vasto de representações figuradas: indivíduos, monumentos, sítios, símbolos, etc.

Iconologia
Do grego, eikôn, imagem, retrato, e logos, palavra, discurso. Termo usado por Platão com o significado de linguagem figurada. Volta a ocorrer somente em 1593 já como cultismo grego italianizado, para titular o tratado de alegorias, ou Verdadeira descrição das imagens universais, de Cesare Ripa. O conceito será retomado pelos sucessivos editores da obra, nomeadamente por Jean Baudoin (1636), Juan Bautista Boudard (Parma, 1759), Cesar Orlandi (Perúgia, 1764), etc., para quem designa a representação de faculdades da alma, virtudes, disposições psíquicas, artes e ciências. No ano de 1927, Emile Mâle considera a iconologia auxiliar indispensável da iconografia para bem interpretar o significado da obra artística. Posteriormente, em 1939, Erwin Panofsky usará o termo para denominar o estudo cultural da obra de arte, como testemunho de uma civilização, um método esboçado por Aby Warburg em 1912 e orientado para a decodificação e análise dos significados conceptuais que a obra de arte encerra, o qual se ocupa do seu significado derradeiro (filosófico ou conceptual, histórico, social, etc.). Constitui hoje em dia uma via de acesso fundamental ao fenômeno estético, complementando os resultados de investigações de base positivista, formalista ou sociológica e apresentando-se, concomitantemente, como o instrumento mais adequado para lograr a inserção da arte no lugar que legitimamente lhe cabe no seio da história geral da cultura.

By claudius, 2005