quinta-feira, 26 de julho de 2007

EXPOSIÇÃO ALEIJADINHO


Por Gisele Kato.
In: Bravo! on-line. Disponível em:
Acesso: 26-07-2007


Há quem diga que ele nunca existiu. E, nisso, não está sozinho essa lenda persegue também Shakespeare, que poderia ter sido um, outro, ou vários sob um único nome. Mas o fato é que há mesmo na vida de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, um sempre presente clima de mistério: como ele foi capaz de criar, em pleno século 18 quando o Brasil era uma espécie de quintal português , uma obra tão fundamental para a arte? Ao longo do tempo, o mineiro passou de artesão a artista, de artista a mito, em uma trajetória composta de diferentes acidentes, idas e vindas carregadas de nuvens que provocaram algumas chuvas sobre sua unanimidade.


O início dessa história começa já em meio a uma névoa. Não se sabe ao certo nem a data exata de seu nascimento. A primeira tentativa de estudo sobre o escultor, escrita por Rodrigo José Ferreira Bretas, em 1858, apenas 44 anos depois de sua morte, aponta o dia 29 de agosto de 1730. Hoje, com a recuperação da certidão de óbito do mestre, e os resultados de algumas exumações feitas em seu corpo, toma-se 1728 como o ano mais provável. Outro ponto longe de um consenso entre os historiadores diz respeito à doença que o acometeu a partir de 1777, tirando-lhe a mobilidade das pernas e provocando dores tão alucinantes nos dedos das mãos que, num determinado momento, obrigaram o artista a arrancálos para poder amarrar as ferramentas de trabalho nos cotos dos braços. Cenas assim, a de um Aleijadinho carregado por escravos e envolto em uma longa capa negra capaz de esconder suas chagas, colaboram para a atmosfera de mistério em torno do artista. Descrições da época revelam até que, durante desesperadas crises, interrompia o molde da pedra-sabão ou do cedro para espancar os auxiliares, num transe movido a fúria e pedidos de ajuda. Enfim, a figura de um gênio maldito, desajustado e desprezado pela sociedade.

Mas isso não resume Aleijadinho, que se mostra mais interessante quando se afasta do mito e se aproxima do real, o que impõe uma série de questões: como, afinal, um escultor brasileiro pôde desenvolver peças que rivalizam hoje com os melhores exemplares do Barroco europeu? De que maneira se mantinha informado sobre o que acontecia lá fora? Sua importância é superdimensionada? Como é possível ter certeza da autoria de suas obras se ele nunca assinou nada? Chega-se perto dessas respostas com a exposição Aleijadinho e Seu Tempo: Fé, Engenho e Arte, que toma o Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo a partir de 28/7 depois de ocupar as sedes da instituição no Rio e em Brasília. A mostra reúne 208 peças, entre obras (além de Aleijadinho, os contemporâneos Francisco Xavier de Brito, Mestre Pitanga e Mestre Ataíde), documentos, livros e mapas, distribuídos em salas cenograficamente preparadas para que o visitante sinta a "atmosfera" do Barroco mineiro, segundo a proposta do curador Fábio Magalhães. Ainda que nenhuma mostra sobre o artista possa substituir a experiência da visão dos 12 profetas em pedra-sabão na entrada do Santuário de Bom Jesus dos Matosinhos, em Congonhas do Campo, ou as mais de 60 esculturas em cedro que compõem os Passos da Paixão de Cristo, na mesma cidade, a exposição nos aproxima do mundo de Aleijadinho. E isso significa, claro, mistérios.